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A Criança como Sujeito de Direito

Antonio Marcelo Jackson F. da Silva

Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro e Professor da Universidade Federal de Ouro Preto, em Minas Gerais.

Diego Amorim Xavier - Graduado em Ciências Sociais pela PUC-SP, Mestre em sociologia pela Universidade de Zhejiang, Hangzhou, República Popular da China. Doutorando em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas.

José Medeiros da Silva

Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, Professor na Universidade de Estudos Internacionais de Zhejiang, em Hangzhou.

Rafael Gonçalves Lima

Jornalista na Agência de Notícias Xinhua, Beijing; Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Jilin, China; e graduado em relações Internacionais pela FACAMP - Faculdade de Campinas.

Simone Maria da Rocha

Educadora, Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Professora na Universidade Federal Rural do Semi-Árido, no Rio Grande do Norte.

A CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITO

Professor Antonio Marcelo Jackson: Estamos começando mais um Fórum Internacional de Ideias cujo tema é Direitos Humanos - Reconhecer a criança como sujeito de direito. Hoje a palestrante principal será a professora Simone Maria da Rocha, da Universidade Federal Rural do Semi-Árido, no Rio Grande do Norte.

Também temos a presença do professor José Medeiros da Silva, da Universidade de Estudos Internacionais de Zhejiang, Rafael Lima, jornalista da Agência de Notícias Xinhua e mestre em Relações Internacionais e Diego Amorim, mestre em sociologia pela Universidade de Zhejiang, na República Popular da China. Dito isto, a palavra inicial é da professora Simone. Como todos os encontros do nosso Fórum Internacional de Ideias, cada um dos presentes terá uma participação ou uma intervenção. Simone, a palavra é sua, fique à vontade com todo o tempo que você achar necessário.

Professora Simone Maria da Rocha: Muito obrigada! Bom dia e boa noite. É sempre uma alegria estarmos juntos e reunidos aqui para conversar um pouco. Hoje, em especial, para pensar uma temática que para mim é muito cativa. Há alguns anos, aproximadamente uns sete anos, eu venho trabalhando com pesquisas que envolvem crianças em situação de vulnerabilidade. Nosso principal foco é legitimar a criança como um sujeito de direito, um sujeito que tem voz. A gente vem de uma herança cultural onde a voz da criança é pouco considerada. Todos nós ouvimos nossos pais dizer: “fique calado que isso daqui não é para você” ou “isso não é conversa pra criança” ou “criança não sabe falar”. Os espaços, socialmente instituídos e reservados à criança, são muitas vezes lugares de silenciamento desse sujeito ou de fortalecimento de uma certa invisibilidade. Então, a grande intenção e, quiçá, contribuição deste diálogo seja refletirmos que a criança é alguém que tem direitos, sobretudo o direito a voz.

Tentarei explicitar em algumas linhas um panorama geral sobre essa temática. A minha apresentação será dividida em três pontos: primeiro, falarei sobre a criança como um sujeito de direito; em seguida, sobre a infância hospitalizada; e no terceiro e último ponto sobre a classe hospitalar como um direito da criança.

Sobre o primeiro ponto, a criança como um sujeito de direito, isso diz respeito à questão dos direitos humanos, que são os direitos fundamentais da pessoa, independentemente de estatuto social ou categoria social no qual a pessoa está inserida. A primeira coisa que se considera nesse direito é a dignidade humana. Assim, quando a gente pensa na criança como um sujeito de direito, a gente está pensando na dignidade dessa criança como um indivíduo.

Um outro ponto a ser considerado aqui é que a criança, como um sujeito de direito, tem alguns direitos específicos, como o direito à vida, à segurança, à igualdade perante a lei, dentre outros. A criança se diferencia dentro da perspectiva mais ampla dos direitos humanos, pelo aspecto da proteção social.

Como pesquisadora dessa área, minha tentativa tem sido ouvir e compreender a voz da criança. É isso o que fazemos atualmente em algumas pesquisas na área de educação, em especial no campo da sociologia da infância e da Psicologia da Educação, ou seja, procuramos “ouvir” e entender a voz dessas crianças.

O grande desafio para nós, adultos, talvez seja o de aprender a ouvir, porque a criança sabe comunicar, mas nós nem sempre sabemos ouvi-las. O que nos diz essas crianças? Também na perspectiva da criança como sujeito de direito, esse lugar da voz, esse lugar da proteção social precisa ser um lugar de destaque.

Em 2010, o governo federal lançou o documento “Construindo a Política Nacional dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes e o Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes 2011 – 2020” que tem como grande objetivo orientar e exigir do poder público uma efetivação do direito dessas crianças. Dentro da perspectiva mais ampla desse plano, a gente pode pensar a elaboração dos planos municipais e estaduais, porque a meta do plano nacional é que exista planos municipais e estaduais de direitos humanos.

No Brasil, a questão do direito da pessoa humana e, portanto, o direito da criança, tem avançado muito, embora na prática a gente saiba que exista um distanciamento entre o que está na lei e o que está sendo efetivado. Mas a letra da lei é muito importante para que se possa obter alguns outros avanços na prática.

O segundo ponto de nossa abordagem é sobre a infância hospitalizada. Vejamos, se consideramos a criança como um sujeito de direito e eu compreendo que a criança tem particularidades e que precisa ser amparada em todos os espaços nos quais ela esteja, eu vou pensar também na criança que está hospitalizada. Para o adulto, adoecer já é desesperarador e/ou difícil.

Imagina uma criança que adoece e os pais vão ao hospital pensando que é apenas uma febre simples ou uma gripe e logo descobrem que é uma leucemia. A criança se dá conta que aquela visita que fez ao hospital não será uma visita de rotina, rápida, mas será o início de um longo tratamento... Então isso provoca uma ruptura muito grande na vida da criança, há uma ruptura emocional, uma ruptura social, escolar, familiar. Há todo um processo de desestruturação também dessa família.

Passar parte da infância no hospital pode tornar-se para a criança um momento traumático. Por isso é importante uma estrutura de acolhimento e proteção do direito da criança hospitalizada e não só o direito ao tratamento de saúde, mas ao direito de qualidade de vida ao longo do tratamento.

Quem é essa criança? Como é que ela vive? Quais são suas necessidades psicológicas? O que significa vivenciar uma parte da infância no hospital para a criança? A criança deve ser assistida não só no plano da saúde física, mas em todos os seus outros direitos, tanto em relação à educação quanto ao seu bem-estar. Ou seja, a garantia da vida num aspecto mais amplo, no que a compreendemos como cuidado integral, biopsicosocial.

Aqui no Nordeste nós temos um quadro em que muitas famílias que têm seus filhos nos hospitais saem do interior do estado. E eu acredito que é assim em todo o país. Então, muitas vezes um pai e uma mãe vem acompanhar a criança e deixa ainda três filhos em casa, em um tratamento geralmente longo. E quais são as implicações dessa hospitalização e desse tratamento de saúde para a criança e sua família? Nós vamos ter, provavelmente, uma modificação na subjetividade, na forma de sentir, de pensar e viver o mundo.

Então há uma mudança na rotina da criança e da família, uma transformação nesse corpo físico e uma modificação na socialização, porque a escola também deixa de ser uma prioridade na vida da criança, embora nós saibamos que a escola tem uma função importantíssima na infância, não só em relação a conteúdos. Isso em se tratando de crianças com tratamentos prolongados.

Algumas pesquisas que nós estamos fazendo vem mostrando que criança gosta muito mais da escola pelas relações pessoais do que pelo estudo de fato ou pelo o que a escola vem proporcionar, de fato, no cotidiano. Quando perguntamos, “por que você gosta de ir para a escola?” Eles dizem: “Eu vou para a escola porque tenho meus amigos, eu vou para a escola porque gosto de brincar”. Mas poucas crianças fazem referência ao “eu gosto da escola porque eu estudo”. Nesse caso, há um deslocamento também dos objetivos que nós adultos definimos para escola. A criança tem uma percepção própria, que nem sempre é valorizada ou simplesmente ouvida.

Para finalizar essa introdução geral, vamos ao tópico da escolarização dentro do hospital. Antes, gostaria de dizer que a gente tem hoje aqui no Brasil uma rede bem extensa, tanto em pesquisa como em atendimento educacional hospitalar das crianças, que o ministério da Educação denomina de classe hospitalar. E nós temos os professores que atuam dentro dos hospitais e fazem acompanhamento pedagógico dessas crianças garantindo-lhes assim o direito à educação.

A classe hospitalar é um serviço no Brasil que vem se efetivando desde a década de 60 e hoje está legitimado, inclusive pelo Ministério da Educação. É um serviço de atendimento educacional às crianças que estão impossibilitadas de frequentar a escola por problemas de saúde.

Uma das razões para a exigência da classe hospitalar não é apenas o direito à educação, mas toda uma compreensão de que a criança necessita de uma atenção para além do cuidado físico. Ou seja, trata-se de um direito humano, um direito dessa criança à uma atenção integral, conforme destacamos anteriormente.

O que eu penso sobre a classe hospitalar é que ela é uma grande ponte entre a criança que está no hospital e o mundo que ficou lá fora. É uma possibilidade de manter essa ligação, até porque o professor é um dos primeiros contatos dentro das relações sociais, principalmente quando sai da instituição família e vai para a instituição escola, nós vamos entendendo que o professor é uma das figuras que a criança mais conhece. Talvez, por isso, num hospital, o professor seja uma das figuras com quem a criança se sinta mais segura.

Então a classe hospitalar é um direito dessa criança à educação, é um direito da família e é uma forma de garantir um atendimento dentro de uma perspectiva de humanização dessas crianças que estão hospitalizadas. De uma forma geral eu acho que é isso para começarmos a pensar.

Assim, passo a fala para que os colegas fazerem suas observações e questionamentos.

Professor Antonio Marcelo Jackson: passo a fala para Diego Amorim e depois para o Rafael e, em seguida, faço observações. Então meu caro amigo Diego, faça seus comentários a respeito dos três pontos: a criança como sujeito de direito, a infância hospitalizada e agora esse projeto classe hospitalar. Você como sociólogo, quais os comentários você poderia tecer?

Diego Amorim: Inicialmente, eu queria agradecer pela fala da Professora Simone e também dizer é um prazer conhecê-la aqui no Fórum. Simone, sua fala foi incrível! Eu sou um cientista social, sou da área da sociologia, mas eu ainda não conhecia sobre essa questão hospitalar e a questão da criança. Então, muito obrigado! Eu tenho, na verdade, mais dúvidas do que propriamente observações a fazer.

Ao você abordar sobre a criança como um sujeito de direito, eu estava refletindo que essa questão do direito da criança passou a ser bem mais discutida somente depois da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Por exemplo, entre os mais velhos e os mais antigos, em relação às crianças, não se pensava que a criança tinha direitos. Quando nós ouvimos os relatos dos nossos pais e nossos avós, a criança é simplesmente um ser que está dentro de um grupo mas só vai passar a ser gente depois de adulto ou depois de formado, até então, ela só tem obrigações, não tem direito.

Penso que esse fenômeno de se pensar sobre o direito da criança no Brasil tem apenas uns 30 anos.

Simone, eu queria saber, por exemplo, como está essa discursão em relação a outros países, como por exemplo nos nossos vizinhos da América Latina. Por acaso você tem dados sobre isso?

No segundo ponto de sua fala sobre a questão da criança hospitalizada, fiquei impressionado. Eu vou contar um relato pessoal de quando eu tinha 6 ou 7 anos. Eu fui hospitalizado porque tive uma infecção no estômago e eu me recordo que naquele tempo – agora já tenho 33 anos - eu fiquei no hospital sozinho, um hospital público, porque não permitiam acompanhante. E até hoje aquilo é traumático para mim, porque a enfermeira havia me dito e eu não me esqueço até hoje: “você espera e quando amanhecer sua mãe vai estar aqui”, e eu não dormi a noite inteira, eu não dormi esperando a minha mãe. E olha que o meu problema não era tão sério.

Então agora eu fiquei refletindo sobre isso, sobre esses avanços na legislação que você mencionou. Ou seja, o quanto é importante se pensar sobre o cuidado com essa criança hospitalizada. E eu fiquei extremamente interessado nisso!

Sobre o seu terceiro ponto, a classe hospitalar, ou seja, a educação dessas crianças ainda no hospital, estou imaginando sobre o desafio que deve ser, principalmente para os educadores e para as pessoas envolvidas, porque não é simplesmente ter aula, mas pensar se naquele dia a criança está no estado de saúde apropriado para conseguir aprender alguma coisa. Porque a criança está fragilizada, muitas vezes com sono, querendo ficar deitada porque não consegue ficar em pé e ter que aprender. Fico pensando sobre o desafio que deve ser isso.

Então basicamente esses são os meus comentários. Fico muito feliz por estar aqui junto com vocês e sinto-me muito contente por saber que embora estejamos em cinco lugares diferentes podemos estar aqui conectados. Eu acho que essa proposta do nosso Fórum Internacional de Ideias cai de forma perfeita, porque conectamos pessoas em lugares diferentes, talvez com características diferentes, projetos de pesquisa diferentes, mas agora conectados por um mesmo ponto, porque independentemente de qual seja o nosso problema em particular, o problema humano é de todos. Então, por isso, muito obrigado!

Professor Antonio Marcelo Jackson: Simone, agora eu deixo com você.

Professora Simone Maria Rocha: Primeiro, Diego, eu te agradeço pelas suas palavras e espero que em breve a gente possa se conhecer pessoalmente e, enfim, podermos conversar um pouco mais sobre tantas questões humanas importantes.

Eu vou começar pelo teu último questionamento. É importante deixar muito claro que estudar no hospital é um direito da criança, mas não é um dever. Não é uma obrigação da criança estudar no hospital, mas é uma obrigação do Estado oferecer essa educação. Com base na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 208, VII, § 1º, que assegura que a Educação é um direito subjetivo do indivíduo.

Partimos desse ponto, para atuar como professor/a no hospital. Como docentes temos que seduzir os nossos alunos. E gente perdeu um pouco disso na escola e na universidade, nós não queremos seduzir os nossos alunos para o aprendizado, isso exige do professor, no geral acreditamos que a obrigação de aprender é puramente do aluno.

No hospital, devido a fragilidade da criança, nós assumimos a necessidade de seduzir os nossos alunos para estudar. Mas, é preciso sensibilidade para perceber o que em determinados momentos a criança precisa aprender. Eu vou contar só um pequeno exemplo de quando eu era professora num hospital. Um dia eu fiz um planejamento muito lindo para uma criança de 12 anos - planejamento muito lindo na minha perspectiva. Eu queria ensinar sobre os planetas, aí eu comprei algumas coisas para fazer uma maquete junto com a criança sobre os planetas, mas quando eu cheguei para realizar a atividade com ela, ela olhou para mim e disse: “Ai, professora, não estou bem não…”. E eu perguntei, o que foi que aconteceu? Ela disse: “Eu vou tomar plaqueta… E eu não sei o que é plaqueta!”.

Todo aquele plano de aula que eu tinha, todo aquele plano “fantástico” que eu achava que tinha, na verdade não significava nada para aquela criança naquele momento. Então eu deixei de lado os planetas e disse para ela: “Então vamos estudar o que é plaqueta, vamos descobrir o que é plaqueta vamos tentar fazer uma grande pesquisa.”. E nós fizemos pesquisa, entrevista com médico, entrevista com enfermeira, como era que acontecia o processo de separação das plaquetas, pesquisamos na internet, saímos em busca de descobrir o universo das plaquetas. E pronto, para mim aconteceu o ensino e a aprendizagem, um processo muito significativo para ela e muito significativo para mim.

Partindo dessa perspectiva da sedução, isso de fato é um desafio para o professor que vai trabalhar em um hospital. Olhe, imagine você lidar com a morte, imagine você lidar com a dor, você lidar com a angústia! Porque ninguém está no hospital tranquilo, está todo mundo no hospital angustiado, ninguém está ali bem e feliz porque está naquele lugar, você está por uma necessidade humana especial. Então o professor precisa também ter um suporte emocional muito grande para compreender qual é a sua missão pedagógica ali naquele espaço, e talvez, qual a sua missão humana, muito mais do que pedagógica. É preciso se compreender também como um humano ali naquele espaço.

Uma outra questão é quando você fala sobre a sua experiência e que, provavelmente, essa foi uma experiência vivenciada por muitas crianças do Brasil. Graças à Deus, o Estatuto da Criança e do Adolescente, junto com essa proteção à criança, agora não permite mais que uma criança fique mais sozinha no hospital. Em 2009, foi publicada a Lei n. 106/2009, de 14 de Setembro, que dispõe do acompanhamento familiar em internamento hospitalar.

Era, de fato, uma grande perda emocional para a criança. Sendo muito difícil para a criança ficar sozinha num hospital. A sensação de abandono era muito grande, você já relatou aí, eu não preciso nem dizer. Ficou muito claro na sua fala aquela angústia. Então hoje, felizmente, a criança não fica mais sozinha. Ela é acompanhada pelos pais e quando esses não a podem acompanhar, no hospital existe sempre uma tentativa de fazer com que alguém da família esteja presente.

A hospitalização pode ser muito traumática, ela é um evento de ruptura, não é um evento tranquilo. Para nós adultos que vamos ao hospital e ficamos hospitalizados é complicado, embora entendamos porque estamos naquele espaço. Agora imagine a criança que nem sempre entende o que está acontecendo com ela? “Por que tanta gente está fazendo medicação em mim?”, “Por que eu não posso dormir?”, “Por que tenho que tomar banho agora?”, “Por que eu tenho que comer isso?”, “Eu não quero comer isso”. Então há todo um universo infantil que também precisa ser compreendido dentro do hospital, dentro desse atendimento, para que ele seja, de fato, integral e humano. E aí a gente chega na sua primeira questão que é sobre como que esses direitos da criança estão na América Latina, de uma maneira geral. Eu não sou uma grande estudiosa nesse sentido, não tenho dados que eu possa te dizer, mas eu tenho alguns indícios de que, de fato, o Brasil em relação à legislação, está muito avançado. Agora, considerando-se as ações práticas eu acho que nós deixamos ainda muito a desejar.

Então nós temos alguns problemas de políticas nacionais para a efetivação desse direito da criança. Nós vemos que, infelizmente, muitas vezes não há um cumprimento da legislação, não há um alcance dessas políticas e dessa lei para todas as crianças brasileiras. Por isso, é tão importante o que nós já conseguimos fazer nos hospitais, talvez seja pouco se comparado ao tanto do que precisamos avançar. Sabemos que temos crianças que vão para a escola com fome, que não temos professores para atuar em todas as escolas brasileiras, etc. Imagine se nós teríamos professores para trabalhar em todos os hospitais. Mas, já é um avanço que tenhamos professores nos hospitais.

Em relação aos países vizinhos, nós temos grupos, temos congressos de pesquisadores que debatem e discutem essas questões específicas da educação hospitalar, que é denominada de várias formas, como classe hospitalar, educação hospitalar, escola no hospital. Na América Latina eu diria que há também um movimento nesse sentido. Porém, acredito que o Brasil tem se destacado em suas iniciativas. No final de 2017, o Ministério da educação retomou a discussão e revisão do Documento Classe Hospitalar e atendimento domiciliar: estratégias e orientações”, publicado em 2002. Deve sair uma nova versão em 2018.

Para vocês terem uma ideia, de 2008/2009 até 2017 temos todos os hospitais pediátricos do Rio Grande do Norte com professores. E eu tenho a alegria de dizer que, sem nenhuma pretensão, que tive uma militância muito forte nesse movimento construído aqui no Rio Grande do Norte. Eu também tive o prazer de ser professora de classe hospitalar, o prazer de ser pesquisadora de classes hospitalares e o prazer de coordenar um núcleo na Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Norte, que implementa e orienta o serviço de classe hospitalar. Quando entrei para ser professora de classe hospitalar, havia apenas uma professora - que era eu - nesse hospital. Hoje eu tenho a alegria de dizer que no hospital que trabalhei temos 6 professores, que são da rede estadual e municipal da educação. Nós vemos um avanço muito grande. No entanto, são políticas muito pontuais. Por outro lado, esses avanços podem servir como modelo nacional. Nesse sentido, o Rio Grande do Norte hoje - eu posso dizer com toda tranquilidade - pode ser um modelo de classes hospitalares para o Brasil. Um modelo tanto de gestão e organização do serviço.Temos no nosso Estado um grupo muito fortalecido.

Diego Amorim: Obrigado! Obrigado, mesmo!

Professor Antonio Marcelo Jackson: Fantástico esses comentários! Rafael, passo a palavra agora para você para abordar os três pontos destacados pela professora Simone (a criança como sujeito do direito, a infância hospitalizada e a classe hospitalar) ou comentar um deles. Você tem toda liberdade para escolher, Rafael. A palavra é sua.

Rafael Lima: Obrigado, professor! Bom, primeiramente queria começar minha fala dizendo que estou muito feliz em participar dessa nossa discussão, em especial, é sempre bom estarmos nessa roda de conversa, mas acho que hoje estamos lidando com um tema que é especial e que, de alguma forma, chegou ao coração. Ele foi importado, virou importante porque foi para dentro. Eu acho que nós estamos lidando com um tema de extrema importância para o futuro da nossa nação. É claro que a Simone, como professora, vê de um ponto de vista bastante específico. É ela quem está na linha de frente, ela está ali no hospital, está cuidando. Mas se olharmos por uma perspectiva maior, o que a Simone está trazendo pra gente é: para onde nossa nação vai? Como nós estamos cuidando da nossa nação para amanhã? Então eu acho que o tema que ela está trazendo para nós é de extrema relevância, porque ela não só olha para a criança como uma criança na sua especificidade, mas também como também traz para nós a criança como um sujeito humano de pouca idade. Ou seja, ela não é uma criança que nós possamos olhar como simplesmente carentes de necessidades e de cuidados. Ela é, acima de tudo, um ser humano, e depois um ser humano com pouca idade. ,Mas primeiro ela é um ser humano e eu acho que isso é extremamente relevante. E aí ela toca num ponto muito específico, que é sobre a questão da criança hospitalizada. Eu tenho a felicidade de vir de Campinas-SP, que tem um Centro Pediátrico muito famoso no Brasil, que é o Centro Boldrini, uma referência em todo o país no cuidado e tratamento de crianças e que tem um trabalho bastante forte nesse sentido.

Nós temos pessoas como a Simone, por exemplo, que mais do que serem professoras, elas têm um dom de ver a nossa nação de amanhã, de cuidar e de abraçar isso. Então, nesse sentido, Simone, parabéns! Você é um exemplo para nós! Eu tenho certeza que não são todas as pessoas que têm esse dom, porque isso não é apenas uma área de estudo. Acho que não é uma capacidade técnica apenas, mas penso que envolve elementos muito mais subjetivos que nós não podemos mensurar. Como o Diego falou: “o problema humano é de todos nós”.

Eu acho que estamos num momento em nosso país em que destacar pessoas que conseguem olhar para o ser humano como um ser humano, que olha para o outro sujeito como alguém que merece ser cuidado, que merece ser respeitado, é de extrema importância. A gente discutiu sobre a infância hospitalizada, mas a gente tem que lembrar da questão da proteção em relação a toda forma de proteção que essa criança necessita. Então a questão da negligência, da discriminação, da exploração, da violência, da crueldade, da opressão. Uma criança pode chegar num hospital por vários motivos, eu já fui parceiro de uma pessoa que foi violentada sexualmente na infância dos 9 aos 12 anos… E eu sei do impacto, eu pude vivenciar o impacto que isso tem para o resto da vida, nas relações sociais, na forma como a pessoa se apresenta depois na sociedade, na forma como ela vai estabelecer relações emocionais e afetivas com as outras pessoas, na forma como as relações vão ser superficiais, ser na base do medo e não na base da confiança.

Por isso que eu falei que a apresentação da Simone me atingiu muito, porque quando ela estava falando da criança hospitalizada, na verdade eu estava lembrando dessa experiência que eu pude estar junto. Eu comecei, por exemplo, a minha terapia por causa disso. A minha terapeuta é especializada em parceiros de pessoas que foram abusadas sexualmente. Isso entrou na minha vida a partir do ponto de vista da criança, então parece que a gente pode falar sobre isso de um ponto de vista técnico, mas não é, é real. O abuso, a negligência, a opressão, a violência sexual, o trabalho infantil, a escravidão, isso é real, isso existe e isso precisa ser tratado do ponto de vista da educação, da saúde pública, da segurança pública, das políticas específicas.

A Simone falou bastante sobre o cuidado, acho que ela se referia principalmente ao cuidado físico, e eu estou levantando a bola também para a questão do cuidado psicológico dessa criança. Então nós temos que cuidar dessas crianças fisicamente e a temos que cuidar dessas crianças mentalmente. Como está a cabeça dessas crianças, como elas estão pensando, como estão vendo o mundo?

Eu tenho uma grande amiga aqui na China que trabalhou (em Moçambique) à frente do programa de cuidado com crianças que contraíram HIV por abuso sexual e ela me dizia que esse foi o seu maior desafio. Pois, apesar de dominar toda a técnica, de trabalhar com a medicina, ela falava assim: “poxa, eu não tinha, muitas vezes, condições psicológicas de atender uma criança. Muitas vezes tinha que procurar ajuda de como eu tinha de abordar a criança”. Ela me contou de um caso de uma criança que ela estava atendendo e que, durante o atendimento, essa criança ficou paralisada e fez xixi porque ouviu a voz do abusador no corredor do próprio hospital.

Minha amiga me falava muito da questão do abraço, por exemplo, ela disse que chegou um momento em que ela não abraçava por causa da dinâmica do dia a dia e que houve um momento muito marcante que foi quando a criança voltou quando estava saindo da sala e a abraçou. Ela até chorou e percebeu que o que a criança mais precisava era de um abraço. E eu acho que a Simone está trazendo esse “abraçar” para nós, a importância desse abraçar, desse cuidado, desse cuidar do desenvolvimento pleno das condições da criança. Quando a gente reconhecer a criança como um ser humano que possui direitos, a gente vai começar a desenvolver essa construção histórica e cultural de forma mais digna.

A gente sempre tem discutido aqui qual a nação que nós queremos, mas se nós não olharmos para as crianças e não cuidarmos das crianças e não cuidarmos dos que mais precisam, como por exemplo, aqueles que estão tendo uma infância hospitalizada, nós não vamos conseguir alcançar esse objetivo.

Então parabéns, Simone! Você está trazendo um tema que acho extremamente importante, principalmente nesse momento da história do nosso país. Acho que está se discutindo tantas coisas desnecessárias, vulgares, baixas... E ao apresentar um tema como esse, você está elevando o nível de discussão no nosso país. Parabéns!

Professor Antonio Marcelo Jackson: Simone, por favor, o comentário é seu, a partir da fala do Rafael.

Professora Simone Maria Rocha: Primeiro quero agradecer muito ao Rafael pela sua fala e dizer que é sempre bom te ver de novo, estarmos juntos.

Olha, quando eu pensei em começar falando da criança como sujeito de direito e não da criança hospitalizada, era porque embora nós fôssemos falar da infância hospitalizada e da classe hospitalar como direito, eu queria chamar atenção para todos os direitos e para todas as crianças. E é isso que você traz de uma forma tão linda na sua fala. Você disse tantas coisas importantes e eu gostaria de destacar essa parte a parte sobre o cuidado integral à criança, esse cuidado que você está preocupado, que não é só físico, mas psicológico, social.

Infelizmente, eu tive a vivência no hospital de atender crianças que foram abusadas, que foram oprimidas, crianças que vieram de rejeição de adoção. A gente tem um cenário muito duro com relação às nossas crianças. Precisamos pensar sobre a infância. Não podemos ignorar, porque se a gente ignora a infância, a gente ignora o nosso país, a gente ignora quem nós seremos e quem nós somos porque a criança, sobretudo, não é só um ser à devir, mas um ser que já é. Um ser que tem direito à proteção social, e nós, adultos, somos responsáveis pela sua garantia.

Faz-se necessário olhar para criança com mais cuidado, pois muitas estão sofrendo no Brasil. Os meus alunos, dos cursos de Letras Libras e Letras Inglês, fizeram vídeos sobre “A escola que eu sonho”. Eles entrevistaram crianças em suas escolas, creches... Em um dos vídeos, uma criança com os quatro anos mais ou menos, de uma creche aqui no interior do Rio Grande do Norte, é perguntada sobre o que ela mais sonha em ter na sua escola. Ela olhou e disse: “eu sonho em ter uma janela nova, para quando chover não entrar água aqui dentro”.

Nós estamos falando do Sertão, no interior do Brasil. E de uma janela, algo material, só para vocês verem como nós estamos hoje com as nossas crianças desamparadas. Desamparadas do ponto de vista material, do ponto de vista psicológico, emocional e do ponto de vista físico. E nós, enquanto adultos, talvez se preocupando com debates que são importantes, mas que às vezes não prioritários.

Então, trabalhar com a criança no hospital me fez ver todas as crianças, de um modo geral. Talvez eu não conseguisse pensar em todas as outras crianças, mas encontrei outras pessoas que me chamaram a atenção para essas diversas infâncias. Porque existe uma diferença nas infâncias: uma coisa é uma infância de uma criança que tem que trabalhar para viver, que é abusada, que é negligenciada e outra coisa é uma infância assistida, de uma criança que tem muitas possibilidades, proteção, cuidado, amor e acesso aos bens materiais. Temos diferentes infâncias dentro de um mesmo país e, às vezes, dentro de uma mesma família. Então, daí a necessidade de um olhar cada vez mais cuidadoso e a necessidade mesmo desse debate e dessa reflexão. Como muito bem colocou Diego, um problema humano é um problema de todos nós.

O problema da criança é um problema de todos nós, não é um problema só do pedagogo ou só dos pais ou do psicólogo, é um problema humano. Então se a gente não olha para nossa criança, a gente não olha para quem nós somos.

Rafael, eu fiquei muito emocionada com e teu relato. Eu acho que tocou a todos nós porque certamente, temos tantas histórias aproximadas. Obrigada pelo teu relato e por trazer isso aqui para a gente porque certamente nos modifica também como pessoa e nos faz olhar ainda mais para as nossas crianças. Obrigada, Rafael!

Professor Antonio Marcelo Jackson: Agora vamos passar a palavra para o professor José Medeiros, que teve problemas técnicos na hora em que a professora Simone fez apresentação (porém, conhece perfeitamente o projeto).

Professor José Medeiros da Silva: Apesar de ter tido problemas técnicos, talvez pelo fato da Simone ser minha irmã, tenho também acompanhado parte de seu trabalho, de suas pesquisas. Então, eu tenho um contato próximo sobre o seu atuar profissional, o que me deixa muito orgulhoso, não só como irmão, mas como o brasileiro.

Sobre a fala da Simone, eu destacaria dois aspectos. O primeiro é a questão da pesquisa, por exemplo, como os grupos de pesquisa estão a procurar entender o que realmente a criança está a dizer. Interpretar a criança e procurar compreender essa criança é de extrema importância para os diversos processos de decisão relacionados aos interesses da própria criança e do seu bem-estar. O segundo, é a própria formação de profissionais para atuar tanto como pesquisadores quanto como educadores nas classes hospitalares.

Eu fico muito feliz em saber que o Rio Grande do Norte está muito avançado nesta parte, mas veja que esse conhecimento já produzido é ainda desconhecido para grande parte da sociedade. E a propagação desse conhecimento é um aspecto que a Universidade precisa pensar, para se aproximar mais de outros setores da sociedade e, assim, receber seu apoio.

A Simone não disse, mas ela também escreveu um livro infantil chamado “Ai que medo de hospital”. Eu gostaria que você falasse desse seu livro. Não é para fazer propaganda, mas é que ele é um resultado de suas experiências e é importante que deixemos registrados aqui.

Seriam essas as minhas considerações e gostaria de parabenizar a Universidade Federal de Ouro Preto, a Universidade Federal Rural do Semi-Árido, que são as duas instituições que estão aqui nesse Fórum. Gostaria de parabenizar todos vocês e essas instituições. Espero que mais instituições possam se juntar a esse Fórum, porque ele certamente será um referencial para o Brasil. Eu tenho essa certeza porque somos brasileiros conscientes sobre o nosso país.

Professor Antonio Marcelo Jackson: Obrigado, Professor José Medeiros. Simone, a palavra sua.

Professora Simone Maria Rocha: Eu agradeço ao meu irmão José por falar tantas coisas bonitas e realmente não ia falar muito no início porque podem pensar que é propaganda, mas como você disse, é um resultado. É um livro infantil, um livro para crianças que se chama “Ai que medo de hospital”. Esse livro, na verdade, é uma narrativa de uma criança sobre o grande medo que ela tinha de hospital. As histórias são de crianças que eu atendi. Eu condensei em uma só história, mas que foram muitos medos, muitos relatos de tanta insegurança por parte das crianças com relação à chegada no hospital e ao tratamento.

É importante destacar que é o primeiro livro no Brasil com essa abordagem. Nesse livro tem uma classe hospitalar, tem professores no hospital, o que modifica todo o olhar da criança com relação ao que ela vive naquele espaço. É uma grande experiência esse livro. Na verdade, eu tenho recebido muitos vídeos de muitas crianças dentro da UTI. Os professores trabalham com esse livro e tem sido muito especial o retorno que eu tenho recebido, porque eu sei que está alcançando as crianças.

Para vocês terem uma ideia, hoje eu recebi um artigo muito bonito de uma professora que é sobre uma adolescente na UTI. Essa foi adolescente foi atendida, mas infelizmente foi a óbito. São 17 páginas de um relato especial do atendimento. Mesmo sabendo que a criança estava em estado terminal, ela não deixou de atender e é muito bonito porque eu acho que é esse direito enquanto há vida. Não importa se o atendimento é a uma criança com cuidados paliativos, o importante é que a gente acredite na vida. É isso!

Professor Antonio Marcelo Jackson: Bom, dito isso, agora é minha vez. É curioso, eu li seu texto, quando você enviou e ouvi atentamente a sua fala e depois os comentários. O primeiro é que acho que você nos provocou, Simone, e deixou a todos a flor da pele. Seja pelo Diego, que se lembrou da infância, seja pela experiência vivida pelo Rafael. De certa maneira, claro, com o seu irmão José.

Então, acompanhando tudo e pela fala de todos, tive que segurar a emoção. Até porque - deixa eu apenas fazer um breve desabafo - eu sou graduado em História, com mestrado e doutorado em Ciência Política. Então, profissionalmente, posso dizer que a minha vida é relativamente cômoda. Como historiador, eu lido com o passado que terá voz pela minha voz. Então, ele não terá muito reagir ou dizer “Olha Marcelo, você está totalmente errado”. Esse passado está lá e eu uso da forma como bem entendo. Como cientista político, e eu trabalho com análise esses anos todos, também é relativamente cômodo. Existe um caos que eu olho e teço comentários a respeito. E, de repente, você começa com uma discussão que é teórica. Em seguida faz uma análise também relativamente fácil de compreender. E, ao final, vem seu projeto. É o que eu chamo de arco perfeito, quer dizer, você começa com a teoria e termina com a prática. É um arco perfeito, você tem o início, meio e fim. “Fim”, aqui, com o sentido de finalidade ´e penso que sua ação tem mais sentido do que a minha, enquanto profissional.

Penso muito a esse respeito, ou seja, que o trabalho acadêmico precisa ter um efeito prático. E sobre isso você deu uma aula aqui hoje e te agradeço por me ter feito de aluno. Eu fico muito honrado de ter sido seu aluno aqui e, como aluno, professora Simone, algumas questões me parecem preocupantes.

Um primeiro ponto, quando você fala da criança como sujeito de direito. Os estudos que você fez e a análise envolvem a questão das políticas públicas no Brasil. Quanto à legislação, o Brasil avançou bastante e sem dúvida alguma é motivo de alegria para todos. Porém, quando eu chego no último ponto (a ação em si), lembro que pela estrutura política de nosso país (o Governo Federal e os governos estaduais e municipais), lembro-me que é no final desse processo que o problema vai ou não se resolver, ou seja, no município.

Abrindo um parêntese, fico muito feliz quando você informa de que no Rio Grande do Norte, em todos os hospitais pediátricos, há o projeto de classe hospitalar funcionando. Isso é uma coisa extraordinária, que está muito além dos elogios. É a realização absoluta! Mas a pergunta que eu te faço, onde está agora a maior dificuldade, seria no município? Apesar de existir uma legislação nacional, apesar de ter tudo isso, eu não me refiro nem às condições materiais do município, eu me refiro até mesmo ao entendimento prático de qual é o papel de um prefeito, de uma administração municipal em com isso lidar com isso. Esse seria o maior desafio para o projeto de classe hospitalar? Essa que a pergunta que eu te faço.

Professora Simone Maria Rocha: Professor Antonio, a gente vai falando tanta coisa e às vezes se perde, por isso que é tão bom essa diversidade de participação, porque vai produzindo também essa discussão política tão necessária. É verdade que temos esse projeto aqui no Rio Grande do Norte em todos os hospitais, mas isso foi resultado de uma luta cansativa que envolveu o ministério público e que envolveu também uma série lutas sociais.

Quando a gente procura o setor público, a estrutura governamental, a primeira tendência é se dizer ali que a responsabilidade é dos municípios. Quando a gente vai para o município, o município diz: “Não, eu nem conheço, eu não tenho nada a ver com isso”. A gente resolveu, aqui no Rio Grande do Norte, indo para a defensoria pública. Então, foi com a defensoria pública que a gente, em um movimento muito grande, conseguiu aprovar uma lei municipal sobre isso. Porque, embora tivéssemos uma legislação mais ampla do governo federal, não estava claro na resolução 02 de 2002 do Conselho Nacional de Educação sobre quem seria o responsável pela implementação.

O município diz: “Não é responsabilidade minha, não conheço esse serviço” e o Estado também diz a mesma coisa. A responsabilidade é sempre do outro e como a responsabilidade é do o outro, a gente não sabe de quem é. Isso é um problema no Brasil todo, por isso que eu falo que o Rio Grande do Norte é um modelo ou pode servir como um modelo, porque não acontece assim com todos os estados do Brasil.

Nós temos uma situação de classes hospitalares no Brasil que ainda são voluntárias, são professores voluntários, o que é um absurdo do ponto de vista de legislação. Além da legislação nacional, a gente tem que ter uma municipal, como a gente tem aqui em Natal, na capital - LEI Nº. 6.365, DE 21 DE AGOSTO DE 2012 Dispõe sobre a implantação do Programa Classe Hospitalar nas Unidades da Rede Municipal de Saúde de Natal, e dá outras providências.

Eu vejo que existe um conflito entre poderes, uma briga para se isentar de um dever. Eu vejo que é menos por uma questão de recursos, porque manter uma classe hospitalar nem é tão caro para o estado. Inclusive porque o hospital tem que dar uma contrapartida, conforme as orientações do Ministério da Educação. O hospital, geralmente, cede espaço, ajuda de alguma forma. Esse recurso humano é o que às vezes vem negado por parte das prefeituras e governos estaduais.

Existe um problema de entendimento também por parte das gestões das secretarias de Educação e Saúde, que pouco dialogam e têm dificuldades de compreender as necessidades globais da criança. A saúde é muito mais do que o físico. O próprio professor quando chega na sala de aula, aliás, quando chega no hospital, ele é visto de forma estranha. Na escola, na sala de aula, ele é a figura central, uma figura de importância. No hospital, é outro lugar. E esse outro lugar passa pela necessidade de convencimento da equipe de saúde para que a mesma perceba que a sua presença é importante.

Professoras que entrevistei para a minha pesquisa de doutorado relataram que “entraram meio que camufladas no hospital, porque sentiam como se o hospital não fosse lugar de professor, saúde não é uma discussão de educadores, escola não é uma discussão de hospital.”

Então era mais ou menos parte da polarização existente que a gente vê sendo refletida na questão pública. Por exemplo, quando se diz: “Não quero, não é minha responsabilidade. Já temos problemas demais e ainda tem um professor no hospital”. Por isso que é uma luta não só no campo da pesquisa, no campo teórico, mas também no campo político e social. Porque se não tiver uma militância junto com os grupos sociais e as famílias, a gente não vai conseguir de fato efetivar esse direito porque vai ser sempre algo menor, infelizmente, dentro de uma determinada perspectiva de gestão pública.

Professor Antonio Marcelo Jackson: Bom, obrigado, Simone, por suas palavras. Eu queria pedir que agora façam as considerações finais. Pela ordem, o Diego, o Rafael, o José e, claro, você, Simone, encerrando esse Fórum, que o considero como um acontecimento extraordinário. Diego, a palavra sua. Na sequência Rafael e depois o José.

Diego Amorim: Essa última fala é só mesmo de agradecimento. Queria agradecer a aula que a professora Simone deu aqui sobre a questão da educação, direitos humanos e criança no hospital. Com os diversos comentários, deu para perceber a importância dessa teia que aqui tecemos. Eu gostaria apenas de enfatizar outra vez que, independentemente de qual seja o problema, se é um problema humano, o problema também é de todos nós.

Esse fórum traz essa possibilidade de discutirmos com pessoas das mais diversas áreas do conhecimento e procurarmos caminhos alternativos para os mais diversos problemas. Então eu finalizo com isso, agradecendo a todos e dizendo que eu estou muito feliz aqui por ver a todos aqui reunidos. É uma alegria muito grande ver todas essas coisas quando se faz com muito amor. Eu acho que tem tudo para dar certo, vai dar certo, está dando certo! Muito obrigado a todos e até o próximo Fórum!

Professor Antonio Marcelo Jackson: Obrigado, Diego. Rafael, a palavra é sua.

Rafael Lima: Obrigado, professor! Só quero realmente agradecer, eu acho que uma das coisas que eu aprendi na terapia é que o pensamento leva ao comportamento. Eu acho que o Fórum de hoje ajuda a gente a mudar nossos pensamentos, eu tenho certeza que depois de hoje a gente vai passar a ver as crianças por uma perspectiva diferente. Eu duvido que nós e os que vão assistir esse fórum no futuro, vão olhar para a criança no hospital, para uma criança na rua, uma criança numa sala de aula da mesma forma que olhava antes. Nesse sentido, esse Fórum foi um sucesso. Obrigado, Simone, por nos ajudar a colocar a criança no centro do nosso pensamento, com certeza vai ser internalizado e vai gerar em nós um comportamento diferente porque olhando de uma maneira diferente para essa criança, a gente vai ter uma mudança de postura e um comportamento diferente em relação a elas. Eu acho que vi um pouco nosso comportamento, no sentido da gente ter uma abordagem social mais cuidadosa, mais humana e mais justa em relação às crianças. Estou muito feliz por ter participado desse debate. Obrigado a todos.

Professor Antonio Marcelo Jackson: Obrigado, Rafael! José, a palavra é sua!

Professor José Medeiros da Silva: Como os colegas destacaram, a gente está tendo esse privilégio de nos reunir para aprender. Depois dessas reflexões certamente não vamos mais olhar para uma criança hospitalizada da mesma forma que olhávamos antes. Fico feliz de estar reunido aqui com vocês. Muito obrigado a vocês por proporcionarem este momento muito feliz. Vejo que o nosso Fórum é um espaço necessário para edificação de um Brasil que precisa ser edificado. E vamos edifica-lo porque sabemos qual é o Brasil que nós queremos. Isso está muito claro entre nós e certamente entre muitos outros brasileiros e brasileiras.

Professor Antonio Marcelo Jackson: José, obrigado pelas palavras! Simone, suas últimas palavras no Fórum de hoje, por favor.

Professora Simone Maria Rocha: Eu também agradeço e faço das minhas palavras as do meu irmão, José. Eu acho esse Fórum é o resultado prático da importância de nos juntarmos. Eu agradeço muito hoje pela oportunidade, pela generosidade de falarem palavras tão gentis, como as do professor Antonio. Acho que estamos todos aprendendo. Todas as vezes que eu falo de crianças hospitalizadas, eu falo que também sou muito movida e modificada. Hoje eu me emocionei muito, em diferentes momentos. Eu agradeço a vocês por essa oportunidade de estar aqui trocando um pouquinho de experiências, não propriamente como professora, mas muito mais como alguém com a esperança de que essas trocas e compartilhamentos possam nos ajudar a pensar melhor sobre as nossas crianças, de uma forma geral.

Muito obrigada mesmo e obrigada ao professor Antônio pela condução e por toda essa receptividade tão acolhedora. Espero que a gente saia daqui bem reflexivos porque assim que a gente vai melhorando. Então, muito obrigada pela oportunidade. Obrigada por tê-los essa noite!

Professor Antonio Marcelo Jackson: Bom, hoje, para efeitos de registros, já que na abertura eu citei apenas os nomes, mas não os locais, tivemos a professora Simone, em Caraúbas, Rio Grande do Norte; Diego Amorim, em São Paulo; temos o Rafael Lima em Beijing, na China, o José Medeiros em Hangzhou, também na China, e eu, em Ouro, Preto Minas Gerais. Temos aqui dois países e cinco cidades diferentes conversando ao mesmo tempo. Acho que se a tecnologia tem algum sentido, com certeza um deles é esse! Ela se presta e ser uma reunião. Acho que vou pegar um pouco da fala do José Medeiros e do Diego no meu agradecimento a Simone. Acho que em uma área como a minha, a da ciência política, a gente perde um pouco dessa unidade que você, Simone, aqui nos faz lembra, de que somos humanos. Olha, muito obrigado, e agradeço a todos mais uma vez.

Volume 4, número 1


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